VETO À CAMPANHA PUBLICITÁRIA FORTALECE MOVIMENTO DE ATEUS E AGNÓSTICOS
ZERO HORA, 18-12-2010
Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) alcançou 1,74 mil membros na semana passada
Maurício Palazzuoli foi mórmon até perto dos 30 anos. Alfredo Spínola mastigava a hóstia das missas matinais, no colégio interno católico, para investigar a verdade. Daniel Sottomaior é descrente de nascença. Se acreditassem em alma, os três seriam a da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), entidade fundada por eles em 2008 e que alcançou 1,74 mil membros na semana passada.
Duzentos e noventa desses sócios, o equivalente a 17% do total, foram amealhados em apenas seis dias, como consequência de uma polêmica que colocou a Atea em evidência nos jornais e na internet. O motivo da controvérsia foi o veto, em São Paulo, Salvador (BA) e Porto Alegre, de uma campanha concebida pela entidade para combater o preconceito contra os ateus. O episódio deixou o trio ainda mais convencido de que a sociedade brasileira não aceita sequer conceder a palavra a quem não crê na existência de deuses.
– O preconceito é tão grande que não conseguimos sequer lançar uma simples campanha. No Brasil, o ateu é associado a tudo de horrível. É visto como criminoso, alguém que acredita em demônios, que quer a morte de todos. Mas o ateu é apenas alguém que não acredita em mitos – diz Palazzuoli, um biólogo de 40 anos que responde pela tesouraria da Atea.
O fato novo é que, no Brasil e em várias partes do mundo, os ateus não estão mais dispostos a ficar calados. Favorecidos pela internet, que os colocou em contato por meio de comunidades de discussão, os descrentes se articularam e começaram a lançar campanhas para enfrentar o preconceito e expor seu ponto de vista. Também saíram à rua para protestar, como durante a recente visita papal à Espanha. A onda ateísta contou ainda com uma série de best-sellers publicados por intelectuais importantes, como o evolucionista Richard Dawkins (Deus – Um Delírio) e o jornalista Christopher Hitches (Deus Não é Grande).
O Brasil seguiu na mesma onda, e a Atea é uma das manifestações do fenômeno. Sua campanha publicitária segue o modelo já adotado em países europeus e nos Estados Unidos. Na capital gaúcha, os anúncios deveriam estampar a traseira de 10 ônibus durante um mês. Na última hora, a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) barrou as peças, justificando que a legislação municipal proíbe manifestações religiosas (na verdade, são vetadas peças que estimulem a discriminação religiosa).
O presidente da entidade, o engenheiro civil Daniel Sottomaior, 39 anos, anunciou que vai acionar judicialmente a ATP.
Sottomaior é o rosto do ateísmo no Brasil há cerca de uma década. Curitibano radicado em São Paulo, ele se tornou conhecido por comparecer a programas de TV e rádio para defender o ponto de vista dos céticos. A militância rendeu-lhe ataques dos crentes na internet e ameaças de morte por e-mail e telefone. Ele conta que o pai e a mãe transitaram por diferentes credos, mas nunca o introduziram à religião.
– Tive a imensa sorte de não ser doutrinado quando criança. Todo mundo nasce ateu. Depois, o conceito de deus é introduzido à força. Eu pude escolher meu caminho – afirma.
Dinheiro é investido em ações e campanhas
Casado com uma agnóstica, Sottomaior tem uma filha de seis anos, a quem faz questão de manter afastada da religião. Ao procurar uma escola para ela, peregrinou por estabelecimentos que se diziam laicos, mas que punham as crianças a rezar na hora das refeições. Só na terceira tentativa encontrou uma instituição que não oferecia a ideia de que deuses existem.
Foi por meio de comunidades de ateus na internet que Sottomaior conheceu o biólogo Palazzuoli e o advogado Spínola, o que levou à criação da Atea. A entidade mantém um site (www.atea.org.br) bem fornido, com notícias, argumentos para ser ateu e um espaço para incentivar os descrentes a sair do armário. O dinheiro da entidade (25% dos sócios são contribuintes) é investido nos procedimentos legais contra quem ataca os ateus e em campanhas de esclarecimento.
– É muito mais representativo quando uma ação vem da associação do que quando chega de ateus isolados. O ateu é uma minoria e precisa se unir – diz Palazzuolo.
Ele é o único que acreditou em divindades. Batizado como mórmon, não faltava às celebrações dominicais no templo até os 30 anos. A crença desmoronou ao ter contato com a ciência: ingressou na faculdade de Biologia em 1998, foi exposto à teoria da evolução e converteu-se ao ateísmo.
O veterano é o advogado Spínola, 61 anos e passagem por várias escolas católicas na infância. Em uma delas, na qual era interno, os padres diziam que a hóstia era o corpo de Jesus e não deveria ser mastigada, ou verteria sangue. Spínola passou a mordê-la todos os dias. Não saiu sangue nenhum.
– Percebi tantas mentiras que comecei a desconfiar de tudo – diz. [i]
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1§ion=Geral&newsID=a3147265.xml
Nenhum comentário:
Postar um comentário