Robert Pirsig (in: "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas")

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

EM DEFESA DO DEBATE



EM DEFESA DO DEBATE
ZERO HORA, 19-12-2010

Cláudia Laitano

á ouvi, não poucas vezes, a expressão sair do armário associada à decisão de falar abertamente sobre o próprio ateísmo. O empréstimo do termo empregado por homossexuais para marcar o momento em que assumem sua orientação sexual não é de todo disparatado. Costuma-se calcular o número de homossexuais em cerca de 10% da população. Pessoas que se declaram sem religião, no Brasil, já chegam a quase 8%. Apesar dos números absolutos expressivos, trata-se de duas minorias cercadas de preconceito e desconhecimento por todos os lados.

Adultos esclarecidos podem não ter muito problema em assumir-se gays ou ateus, mas a necessidade de viver uma vida dupla para sentir-se aceito e "normal" ainda causa sofrimento e confusão, especialmente nos mais jovens. Apenas por esse motivo já seriam importantes as campanhas de esclarecimento como a proposta pela Atea. (A propósito: eu mesma "saí do armário" aos 19 anos, quando li O Futuro de uma Ilusão, de Sigmund Freud, e percebi que a religião já não fazia sentido para mim.)

Assim como as paradas gays não pretendem convencer heterossexuais a mudar de lado, campanhas, debates públicos e mesmo este texto que você está lendo agora não têm a intenção de convencer quem acredita em Deus a mudar de opinião – embora um bom efeito colateral seria despertar o interesse para leituras qualificadas sobre o assunto. O que se quer é trazer à tona um debate que, em muitas situações, não se restringe a escolhas da esfera privada, mas acaba afetando a sociedade como um todo – de diferentes formas em diferentes países.

Nos Estados Unidos, uma das causas mais fortes do ateísmo do século 21 tem sido a defesa de um cientista do século 19, Charles Darwin. Lá, muitas escolas ensinam a teoria da evolução e o criacionismo como se fossem teorias equivalentes e merecessem o mesmo tratamento na educação formal – em casos extremos de obscurantismo, o ensino do evolucionismo é simplesmente proibido. O ateísmo, neste caso, sai em defesa da ciência e de todas as conquistas que ela já trouxe para a humanidade – e que vai continuar trazendo, se a busca pelo conhecimento continuar sendo um valor estimulado desde a infância.

No Brasil, debates sobre temas como aborto e pesquisas com células-tronco têm sido continuamente afetados por crenças religiosas. Neste caso, o ateísmo sai em defesa da democracia: manter a religião saudavelmente separada das questões do Estado e da Justiça é um dogma defendido por todos os democratas, não apenas os ateus.

É importante também derrubar mitos como o que associa a falta de religião à ausência de princípios ou moral, o que, além de absurdo, é ofensivo. Nem ateus nem crentes podem reivindicar o monopólio do caráter, da vida interior, da tolerância e mesmo da inteligência – e quem diz em contrário está mal-informado ou francamente mal-intencionado. [i]

http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a3146889.xml&template=3898.dwt&edition=16111§ion=1003

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