Robert Pirsig (in: "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas")

segunda-feira, 8 de março de 2010

RELIGIÃO SE DISCUTE SIM!




Nesta semana assisti a um documentário excelente chamado Religulous (2008) do mesmo diretor Larry Charles (Borat), estrelado pelo comediante Bill Maher. A proposta é simples: questionar como hoje, em pleno século XXI, as pessoas conseguem acreditar em cobras falantes, anjos, mulheres parindo sem trepar, céu e inferno…

Lá vai Bill Maher com sua equipe visitar igrejas, templos, comunidades para entrevistar religiosos e fiéis. O riso vem fácil, tanto pelos absurdos ditos pelos entrevistados, quanto pelos comentários ácidos do comediante após as conversas. E como rir é o pensar do corpo, Religulous parece comédia mas não é.

Maher faz as perguntas que qualquer um de nós já fez quando entrou em contato com uma teoria religiosa. O que vemos através das respostas é, na realidade, uma tragédia: o maniqueísmo que divide o mundo entre fiéis e não fiéis, eleitos e pecadores, bons e maus.

Salta aos olhos a arrogância inerente às religiões, a intolerância frente à dúvida, a loucura das interpretações ao pé da letra dos livros sagrados levando à privação das liberdades mais basais. E o que dizer sobre as perseguições, os linchamentos morais e uma série de barbaridades cometidas em nome do além?

Bons e maus
Qualquer crença irá trabalhar com a diferenciação entre os seres humanos num grau maior ou menor. Qualquer uma dirá que é a mais certa. Seus fiéis os mais puros. Afinal, a base é a formação de um grupo, uma família, uma comunidade que estabeleça um elo, um plus de “iluminação” num watts superior ao da outra. Resultado: o mundo se bifurca, cegueta, entra em curto.

Está lá o grande comércio em torno da “palavra de Deus” sustentando verdadeiros impérios luxuosos erguidos sobre o desespero e as necessidades das pessoas. Está lá também a intolerância – e aqui, basta ligar nos pregadores da Record e ouvir o que eles falam a respeito das religiões de raiz africana.

E principalmente a ligação histórica e assassina entre religião e poder político, responsável por chacinas sem precedentes entre os povos ou pela eleição de boçais como Bush mundo afora. Sem falar no criacionismo. Homens e dinossauros, como Maher aponta, só viveram juntos nos Flinstones!

Público e privado
O fato é que vendo o documentário de Maher nos damos conta de como essa discussão extrapola o âmbito privado. O pernicioso mesmo é que após qualquer questão levantada pelo comediante, ouvimos a máxima: “tudo é uma questão de fé”. E sem argumentos, afinal Deus não apareceu, segue a ameaça: “no juízo final você vai ver…” Ou seja, a fé não permite discussão.

Na minha modesta opinião, sem ofender ninguém – pensem-me como um ser não tocado pela iluminação e, por favor, não percam tempo com as tochas – essa coisa de confundir literatura com voz divina tem um quê de caverna. A tal palavra mágica para os homens primitivos e que Maher compara aos contos de fada.

Ele inclusive enfurece uma senhora ao comentar que qualquer criança pode ser educada para conceber João e o pé de feijão como uma verdade sagrada… Já pensou? Seria uma boa para o meio ambiente, uma árvore em cada casa!

O comediante mostra, por exemplo, que o mito cristão é idêntico à lenda de Horus no Egito. Pensem no longo fio desse telefone no tempo e a mensagem que chegou aos ouvidos dos autores do Velho e do Novo Testamento. Um amontoado nada homogêneo de causos populares, de lendas ainda vivas, de experiências cotidianas e leis de determinado – é bom sempre lembrar e grifar – contexto.

De geração em geração
E para mostrar como o assunto é delicado e ganha força de geração em geração, vou abrir um parênteses aqui: (jamais poderei dissociar as lendas da Bíblia da voz adocicada da minha avó. É ela que narra na minha cabeça até hoje quando preciso reler um trecho para escrever alguma coisa.

Nas suas páginas estão e estarão impressas a textura do sofá marrom das tardes gostosas em que passava ao seu lado folheando o livro negro e pesado. O gosto da bolacha de maisena com manteiga comporá sempre minha Arca de Noé. Meu Eden guarda o perfume daquela mulher misturando-se com o cheiro das folhas envelhecidas da Bíblia que ainda hoje guardo comigo como herança de afeto e amor no tempo.

Essas coisas têm impacto na nossa formação. Por sorte, também jamais vou esquecer quando minha avó, semanas antes de morrer, afirmou que deixou de viver tanta coisa por causa das besteiras da religião e do que lhe disseram os outros. Ela faleceu lúcida e creio que bastante descrente dos dogmas).

Enfim, saudades à parte…
Terminei o documentário pensando em quantas Virgens Marias nós temos nesse mundo vasto mundo. Virgens de prazer, de alegrias, de direitos. Marias submetidas a essa moral religiosa e castradora. Marias que sustentam sozinhas seus meninos Jesus.

Meninos levados que estão aqui e ali, mas podem morrer de bala perdida a qualquer segundo. Ou pior, balas devidamente apontadas sobre suas cabeças numa lei sem espécie alguma de justiça, mas carregada de discursos. Eis o inferno alimentando o “céu” e vice e versa.


(fonte: http://bulevoador.haaan.com/2009/12/27/religiao-se-discute/ )

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