Audiência na Justiça Federal, em São Paulo, discutirá retirada de símbolos religiosos em espaços públicos
Erich Vallim Vicente
Um dos maiores trunfos da sociedade ocidental foi ter separado o Estado da Igreja. Como é de conhecimento comum, com base nos ideais da Revolução Francesa, de 1789 – "Igualdade, Fraternidade e Liberdade" –, os revolucionários burgueses destituíram o reinado dos Bourbon na França, decapitando na guilhotina Luis XVI e a rainha Maria Antonieta. Claro, nem tudo foi tão simples como aparece nestas poucas linhas. Há de se lembrar do período da Restauração, com a vitória das dinastias europeias em Waterloo, em 1815, e a prisão do general Napoleão Bonaparte. Dar um maior aprofundamento a estes pormenores, no entanto, é trabalho mais crível a historiadores, que há dois séculos se debruçam sobre o tema.
Fato é que o Ocidente limitou a autoridade religiosa, e isso não só foi bom naquele momento histórico, como continua sendo o diferencial desta sociedade perante culturas orientais, onde imãs, aiatolás etc. ainda dão as cartas. Ao estabelecer que a autoridade política não se origina de "predestinação divina" mas deve surgir da vontade do povo, os pensadores do Iluminismo – base teórica que se desencadeou na Revolução Francesa – legaram ao mundo a divisão entre o que interessa apenas a crenças pessoais e o que, de forma muito mais abrangente, está somente na esfera coletiva, onde "somos todos somos iguais perante a lei". Assim, cunhou-se o termo `Estado laico', do Liberalismo, o que difere totalmente de um `Estado ateu'.
Mas também é evidente que a religião mantém influência e faz parte do cotidiano do Ocidente.No ano passado, durante a eleição presidencial, o embate entre `Igreja' e `Estado' voltou à tona, envolvendo a liberação do aborto ou do casamento homossexual. Agora, 2011 inicia com outra polêmica. Está convocada para 24 de fevereiro, na 3a Vara Cível da Justiça Federal, em São Paulo, audiência pública com a finalidade de ouvir opiniões a respeito da continuidade ou não de símbolos religiosos afixados em estabelecimentos públicos. É comum em repartições públicas haver crucifixos, imagens sacras e, como acontece na Câmara Municipal de Piracicaba, ser feita a leitura da Bíblia antes do início das sessões ordinárias.O objeto da audiência é uma ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, tendo por objeto a condenação da União Federal "em obrigação de fazer consubstanciada na retirada de todos os símbolos religiosos ostentados nos locais proeminentes, de ampla visibilidade e de atendimento ao público nos prédios públicos da União no Estado de São Paulo". Não é a primeira vez – e, acredito, nem será a última, por enquanto – que esta polêmica envolverá a Justiça Brasileira, em qualquer de suas instâncias. De um lado, os religiosos apelando pela "liberdade de culto"; do outro, cidadãos que questionam este resquício de Idade Média, ainda presente na maioria dos ambientes públicos do País.
A discussão poderia ser ainda mais ampla (e polêmica) se fosse tratar dos feriados nacionais. A maioria deles é não apenas cristão – como a Páscoa, Corpus Christi, Natal – como está baseado na liturgia da Igreja Católica Romana, sendo que algumas destas datas religiosas não são aceitas por denominações também cristãs. De fato, não há porque emaranhar-se em tema de forma tão espinhosa, o que não é o caso dos símbolos religiosos em prédios públicos. Retirá-los como respeito a ateus, judeus, muçulmanos, ou mesmo cristãos cientes dos espaços de sua crença, é a demonstração de que o Estado está baseado em símbolos de maior representação na coletividade, como a Bandeira Nacional e a Constituição Federal.
Retirar estes ícones religiosos é consentir com os sans-culottes (revolucionários burgueses) e com os iluministas da Europa do Século 18. Atuar sob este fundamento é demonstrar respeito à História do Ocidente, onde é possível crer e não crer, sem ter medo de sofrer preconceitos ou ser queimado em fogueiras públicas.
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